- Publicado originalmente na StartSe
A digitalização de marcas que já estão acostumadas a trabalhar offline é uma tendência que foi amplificada com a pandemia. Mas, existem marcas que já largam na frente nessa corrida pelo espaço digital - as que já nascem digitais.Essas marcas são chamadas de DNVB (Digitally Native Vertical Brand) - ou seja, marcas que são digitalmente nativas e possuem negócios com estrutura vertical - controlam todo o processo: da fabricação do produto, venda, até o atendimento. As DNVBs têm vantagens e desafios particulares, mas muitos casos de sucesso.
As DNVBs são marcas que nascem naturalmente digitais, portanto a comunicação com os clientes ocorre digitalmente desde o início e se mantém através desse tipo de canal mesmo com o crescimento da marca. O termo DNVB surgiu em 2016, cunhado por Andy Dunn, fundador da Bonobos - uma loja de roupas masculinas que vende online, mas possui showrooms para apoiar a experiência dos clientes, realizando ajustes nos produtos comprados online.
Nascer digital, no entanto, não é a única característica marcante das DNVBs - as marcas que seguem esse conceito são focadas em oferecer experiências boas e memoráveis. Por isso, o propósito da marca é fundamental nas DNVBs - a empresa deve proporcionar identificação e conexão ao cliente, não apenas ao produto, mas à experiência.
Para possibilitar a conexão do cliente com a empresa, uma forte construção de marca é essencial. É essa construção sólida que permite que as DNVBs vendam diretamente aos seus clientes, seguindo o modelo D2C - direct to consumer. O canal usado pelas marcas é o e-commerce, mas não é obrigatoriamente o único - geralmente elas buscam espaços físicos para que possam se conectar ainda mais aos seus consumidores.
Embora haja muita convergência entre e-commerce e DNVBs, eles não são a mesma coisa. O e-commerce é um canal, a DNVB é uma marca. Outras diferenças são: o e-commerce possui margens pequenas, as DNVBs têm margens maiores;empresas de e-commerce podem crescer incrivelmente rápido, uma DNVB talvez não consiga crescer tão rápido, mas possui mais valor à longo prazo, pois seu valor não se resume a oferecer preços menores, por exemplo.
O crescimento mais lento é justificado porque as DNVBs dependem de fomentar um relacionamento com o consumidor,o que ocorre geralmente através de redes sociais. Mas a intenção aqui não é ter apenas um grande número de seguidores nas redes e, sim, construir uma relação longa com os clientes, que possibilita ao consumidor se identificar com a marca e até mesmo se engajar em divulgá-la organicamente para seu círculo social - por isso ter um propósito é tão importante.
Apesar de serem digital-first, as DNVBs também costumam partir para o mercado offline quando a conexão com os consumidores eventualmente ultrapassa essa barreira. O ponto físico acaba tangibilizando a marca, mesmo que a experiência comece no digital, o ser humano gosta da possibilidade de ter contato presencial, uma experiência física para apoiar o que começou no digital.
Ter um espaço físico diferencia as marcas DNVB do e-commerce de varejo: além da conexão com o cliente, as DNVBs têm como principal ativo, a marca - que está no site, produto e espaço físico. A expansão da marca nativa digital também extrapola para o offline não somente através de canais próprios - nos Estados Unidos há uma grande tendência de parcerias de DNVBs com varejistas, mas que mantém a DNVB no controle da experiência.
Além das parcerias com varejistas físicas, como lojas e supermercados, por exemplo, algumas DNVBs fazem parcerias com lojas online e marketplaces - ainda assim, são parcerias altamente seletivas, buscando lojas premium, por exemplo, e em quase todos os casos o controle dessa distribuição externa é da marca, ao invés de ser controlada pelo varejista.
Há uma grande preocupação em manter o valor da marca, a experiência. As DNVBs não querem que seus produtos sejam colocados à venda por preços inferiores ou participem de promoções, por exemplo - claro, se isso ocorrer, o valor da marca pode ser prejudicado e sua loja própria pode passar a competir com os valores praticados por uma varejista parceira.
As DNVBs não enfrentam inúmeros problemas que o varejo tradicional possui: competitividade por preços, baixas margens, relação volátil com clientes, intermediários nas vendas e na comunicação. A solução proposta pelas DNVBs para todos esses problemas é a construção de uma marca forte, com propósito, focada na experiência e satisfação dos clientes - sem precisar brigar por margens, ao oferecer seu produto diretamente aos consumidores (ou eventualmente através de parcerias exclusivas e extremamente seletivas).
Outra vantagem é que a comunicação com os consumidores é feita digitalmente desde o início, a marca sabe como atuar no cenário da área digital. Como a empresa controla toda a experiência do consumidor, ela é capaz de oferecer suporte e serviço superiores aos seus clientes.
Cortando os intermediários, as DNVBs conseguem manter os custos de operação baixos para os seus consumidores e, por serem responsáveis pelas vendas, possuem muito mais informações sobre o comportamento dos clientes quando fazem uma compra, tanto com as informações que o cliente informa (cadastro, pesquisas), quanto através das ações tomadas dentro do site (engajamento com o site, quão frequentemente compram, aumento do ticket médio…).
Por controlar todo o processo de compra, é possível ter um foco maníaco na experiência do usuário - a alta recorrência de compra, por exemplo, é uma característica marcante do modelo, que comprova que a experiência positiva se traduz em mais vendas para cada cliente. É muito mais fácil ter um consumidor leal à marca do que se os produtos fossem vendidos através de um varejista, onde haveria inúmeras opções para escolher e pouca chance de criar uma relação significativa com uma determinada marca.
As DNVBs se popularizaram primeiro nos Estados Unidos, é lá que os maiores exemplos de sucesso podem ser encontrados. No mercado americano já há empresas operando no modelo em vários mercados: móveis, colchões, óculos, malas de viagem, roupas… Exemplos conhecidos são: Warby Parker (óculos), Glossier (maquiagem), Dollar Shave Club(lâminas de barbear), Blue Apron (kits de alimentação) e até mesmo, diamantes (Brilliant Earth)! Os exemplos mostram que as marcas do setor estão muito ligadas à lifestyle e a construção de marca é muito forte.
No Brasil, as DNVBs vêm ganhando espaço. Como ocorre nos EUA, as marcas ligadas à lifestyle se destacam, Sallve (skin care), Lovin (vinhos em lata), Amaro (roupas e calçados) e LivUp (alimentos orgânicos); mas outras verticais também já aparecem, Zissou (colchões), Livo (óculos).
É importante estar por dentro desse novo modelo de negócio que vem tendo crescimento rápido nos EUA e já demonstra seu alcance no Brasil. As DNVBs são marcas com mais valor, engajamento, recorrência e conexão com consumidores. Possuem margens de lucro mais saudáveis e são uma alternativa à alta concorrência de marketplaces e grandes redes varejistas.
Ainda, o modelo de negócio das DNVBs proporciona um fit muito maior com clientes nascidos na era digital - Millenials e Geração Z - ao oferecer marcas que são construídas e comunicadas com a intenção de gerar impacto positivo no mundo, através de sua missão, visão e valores. Além de oferecer a oportunidade de feedback e cocriação dos produtos junto aos clientes, aumentando o número de experiências digitais significativas que podem ser oferecidas por uma marca.
Além disso, ao vender diretamente para o usuário, as DNVBs melhoram a eficiência de produção, logística e a experiência do cliente - aumentando suas margens de lucro, níveis de satisfação e lifetime value.
Com o crescimento das vendas através da internet, impulsionadas pela pandemia, cada vez mais marcas vão querer adotar o modelo para se lançar no mercado. E, por isso, é importante conhecer e entender as vantagens e desafios que o empreendedor irá encontrar para criar uma DNVB.