- Publicado originalmente na StartSe.
As empresas listadas na Bolsa têm seu valor de mercado definido pelo valor da ação - que varia de acordo com oferta e demanda, além de outros fatores - multiplicado pelo número de ações disponibilizadas. Portanto, identificar o valor de uma empresa de capital aberto é matematicamente, muito simples.
Porém, para as empresas de capital fechado, aquelas que não são listadas na Bolsa, o valor de mercado, também conhecido como valuation, depende de cálculos, análises de mercado e outros fatores, especialmente quando se trata de uma startup. A conta deixa de ser simples, inclui elementos qualitativos e se afasta da lógica empregada nas empresas de capital aberto.
As startups, enquanto ainda possuem seu capital fechado, recebem investimentos de inúmeros players que fazem análises do valuation possível para cada rodada. Além das expectativas e justificativas do empreendedor, há uma negociação com quem irá participar da rodada para definir qual o valuation adequado para uma determinada rodada de investimento.
No entanto, nessa negociação entre empreendedor e investidor, muito valor pode ser perdido. Enquanto os empreendedores têm dificuldade em entender as limitações do seu negócio, os investidores dão muita importância à proteção do seu capital, aplicando uma análise fundamentalista - que inevitavelmente desconsidera que startups transformadoras raramente se encaixam em padrões e processos de certeza.
Para resolver o impasse entre as expectativas do empreendedor e as certezas pré-concebidas dos investidores, é necessário que haja muita comunicação e que seja construído um relacionamento sólido durante - e, caso efetivado, após - o período de negociação. Só assim é possível evitar que as convicções impeçam que um investidor entre em uma rodada, para se arrepender depois.
Engana-se quem pensa que isso só ocorre com pequenos fundos ou investidores não-profissionais. Até mesmo o CEO do Softbank citou que se arrepende de ter deixado a oportunidade de investir no início do Nubank passar. Para evitar que empreendedores não consigam justificar o valuation definido para sua startup, é preciso entender os aspectos qualitativos e os quantitativos, com cálculos que podem embasar essa definição e diminuir a incerteza em uma negociação de investimento.
Quanto aos aspectos qualitativos que influenciam no valuation definido, destacam-se:
Esses pontos trazem uma visão qualitativa que pode influenciar o cálculo, dados que talvez estivessem perdidos em uma estatística ou tabela da empresa, mas que podem ser fundamentais para justificar o valuation da startup. Os resultados dessa análise podem valorizar ou desvalorizar o valor de mercado obtido por cálculos majoritariamente quantitativos - mas são imprescindíveis para definir com maior precisão e justificar o valuation obtido nos cálculos.
Para calcular o valuation de uma startup, é preciso empregar uma avaliação sistematizada de um modelo quantitativo. Pela natureza das startups, não há solidez ou confiança comparável a de uma empresa, não havendo um padrão único e objetivo de dados. Por isso, alguns modelos são possíveis, abaixo destacamos dois dos mais utilizados:
1, Fluxo de caixa descontado:
Embora haja discussões sobre a aplicabilidade desse modelo para definir o valuation de uma startup, esse é um dos modelos mais utilizados no mundo. Entenda como funciona a lógica desse modelo de cálculo de valuation.
O fluxo de caixa descontado (discounted cash flow, ou DCF) é calculado com base na fórmula a seguir: estimativa do fluxo de caixa futuro (geralmente, 5 anos), ou seja, o lucro estimado para os próximos cinco anos, dividido por 1 + taxa de desconto, multiplicado pelo número de períodos.
Complicado né? Simplificando, é necessário estimar qual será o lucro da empresa em um determinado período no futuro. Por exemplo, nesse artigo da Endeavor, foi utilizado 4 anos como base para o exemplo, estimando que a startup tenha um lucro de:
Supondo que a startup deseja atualizar esse resultado para o presente, com uma taxa anual de juros de 12%. Para atualizar, calcule o retorno de cada ano trazendo a valor presente com a taxa de juros e some as partes:
Total: 211.463,00
A taxa de desconto utilizada é apenas um exemplo. Essa taxa varia de acordo com o risco do mercado, nível de endividamento e outros dados macroeconômicos. Nesse exemplo, a startup teria um valuation de R$ 211,46 mil. Esse é um exemplo bastante simples e existem outros cálculos de Fluxo de Caixa Descontado que são muito mais complexos.
Para conhecer mais modelos de fórmula de fluxo de caixa descontado, o artigo da Endeavor traz algumas soluções gratuitas: uma planilha da ContaAzul, a plataforma de cálculos online da Gyplan e esse artigo do PEGN.
2. Método Venture Capital
Esse método faz sentido especialmente para investidores que querem descobrir se vale a pena investir em uma determinada startup, a determinado valuation. A ideia aqui é definir um prazo pretendido para sua saída (retorno do investimento) e a valorização que deseja obter.
Por exemplo, se você pretende que sua saída ocorra em 5 anos, e deseja ter retorno de 10x o valor investido na rodada e a startup está valendo R$ 10 milhões hoje, a startup precisa apresentar projeções que, baseadas na realidade, façam com que ela valha R$ 100 milhões em 5 anos.
Ou seja, após o período de 5 anos, os fundos de Venture Capital ou outros tipos de investidores, querem ter sua oportunidade de saída do investimento, o retorno. Para isso, são consideradas as taxas de crescimento da startup, do mercado que ela faz parte e o índice de preço, dividido pelo lucro (P/L).
No método Venture Capital, é calculado o capital que precisa ser aportado para desenvolver o produto, a margem líquida e o lucro que são projetados para o ano do exit. Quatro pontos são necessários para realizar o cálculo:
Essa análise identifica o valuation post-money, ou seja, após o investimento. Para identificar o valuation pre-money é preciso subtrair do valuation o capital que será investido na rodada. Ou seja, o valuation da startup no 5º ano, dividido pela taxa de desconto, por fim subtraído o valor da rodada de investimento. O resultado será o valor da startup antes do aporte.
Além dos dois modelos apresentados, há vários outros modelos para realizar o cálculo. Considerando somente os dois apresentados, dá para perceber que dependem da análise de muitos pontos subjetivos, variáveis que podem ser influenciadas por percepções individuais e abordagens que exigem um exercício quase que de futurologia.
Por isso, a definição do valuation é, geralmente, feita em conjunto. Com a colaboração do empreendedor e do investidor, que com suas tendências naturais para mais ou para menos e as justificativas para o valuation chegam - ou não - a um acordo para prosseguir com a rodada.
Grande parte dos cálculos de valuation partem de uma determinada rodada de investimento: primeiro o empreendedor define o valor que precisa de investimento naquela rodada e qual a porcentagem de participação da empresa está disposto a oferecer pelo valor do investimento. É uma lógica inversa, onde primeiro é considerado o valor do aporte e a porcentagem que será oferecida para chegar a um valuation adequado.
É importante lembrar que nenhuma abordagem é mais correta que outra e que a forma como definir o valuation da startup é uma escolha conjunta e uma construção do empreendedor com o investidor. Ainda, vale lembrar que se o objetivo do investidor for a saída, por exemplo, uma venda da startup para uma outra empresa, nem sempre será o lucro da startup que motivará a aquisição, essa pode ocorrer por diversos motivos que nada tem a ver com lucro: equipe da startup, tecnologia, dominar o mercado de uma região, eliminar um concorrente em crescimento, adicionar uma nova vertical no negócio, entre outros.
As dúvidas sobre valuation são recorrentes tanto para quem investe em startups quanto para quem é empreendedor e possui uma startup que está chegando na etapa em que precisa começar a receber investimento. Muito desse mistério é causado pela tentativa de transpor um modelo que é lógico e matematicamente comprovável - o das empresas na Bolsa de Valores - e aplicá-lo para uma startup.
Por startups serem negócios escaláveis, com crescimento acelerado e que, geralmente, não dão lucro nos primeiros anos de vida, é comum que muitos questionem os valuations milionários definidos para esse tipo de negócio, fruto da grande falta de informação para quem observa de longe.
Um exemplo que intriga quem não entende o mercado é, por exemplo, o valuation do Nubank ser superior ao do Banco do Brasil. Enquanto muitos argumentam que é impossível o valor de uma fintech, que dá quase ou nenhum lucro e com menos clientes, ser inferior ao de um banco consolidado, com dezenas de milhões de clientes.
Mas, para quem joga o jogo do Venture Capital, faz sentido: é preciso entender que essa não é uma estimativa pura do lucro do Nubank nos próximos anos ou uma relação direta do número de ações e o preço de cada ação. Uma fintech, como o Nubank, apresenta taxa de crescimento acelerada, vem ganhando cada vez mais clientes - inclusive de bancos tradicionais como o Banco do Brasil - e a expectativa dos investidores é comprar participação no negócio agora, enquanto ainda não abriu capital e rentabilizar num futuro IPO ou, mesmo que improvável já para o tamanho do Nubank, uma venda para outro player.
Essa percepção de valor, de dominação do mercado (de fintechs), de tendências para o futuro e principalmente, de quanto os investidores ou futuros acionistas estariam dispostos a pagar em uma rodada de investimento subsequente ou IPO do Nubank, tem muito mais valor num cálculo de valuation do que o lucro, número de clientes ou faturamento isolado de uma start up.
Saber calcular o valuation embasado nos modelos reconhecidos é, portanto, importante muito mais para identificar um ponto de partida para essa definição e para que o empreendedor saiba defender o valor que propõe, do que um valor final determinante, que se apresentar qualquer desvio do resultado matemático representa uma supra ou subvalorização do negócio.